Conselhos para um jovem médico – Capítulo 4

ESTUDANDO A PARTIR DE LIVROS

“É para mim difícil falar do valor de bibliotecas em termos que não pareçam exagerados. Livros tem sido meu deleite nestes trinta anos e deles recebi incontáveis benefícios. Estudar o fenômeno da doença sem livros é navegar em um mar sem mapa, enquanto que estudar em livros sem pacientes é como não ir ao mar. Só um escritor de livros pode apreciar o trabalho dos outros de acordo com seu verdadeiro valor” (William Osler; Aequanimitas; “Books and men”).

Conforme expliquei nos capítulos anteriores, se você quer estudar medicina, a amplitude desta profissão com certeza acomodará suas forças e limitações em alguma de suas múltiplas áreas. Entretanto, apesar de existirem muitas formas de estudar, você não escapará de ler textos presentes em livros ou artigos científicos ou de assistir a aulas e palestras. Desta forma, vamos nos dedicar um pouco a falar sobre estas formas de estudar. Comecemos com livros. Estes conhecimentos também servirão para ler artigos de revisão que se assemelham muito a capítulos de livros.

Enquanto ainda era estudante do terceiro ano da faculdade, atordoado por tanta informação de aulas, livros e cadernos de colegas, ainda meio perdido em saber o que era importante para estudar e reter, eu tive uma conversa muito esclarecedora. Enquanto passava alguns dias na casa de um amigo, encontrei seu pai que se graduara em medicina em idade mais avançada, creio que com 35 ou 40 anos de idade. Ele me levou à sua biblioteca, repleta de livros médicos e de outros assuntos, e me deu uma dica útil até hoje. Disse ele que para estudar qualquer matéria deveríamos sempre ter 2 livros, um resumido para ler em uma sentada e outro de referência só para tirar dúvidas surgidas na leitura do mais simples.

Achei esta dica muito interessante, pois, a partir de então, o livro mais simples passava a ser um mapa para me direcionar no assunto desejado e para uma releitura rápida antes das provas enquanto o livro mais detalhado serviria como um professor de plantão para situações de dúvidas. De qualquer forma, precisaria agora ler e para fazê-lo, aprendi uma outra grande dica em um livro que li ainda no colegial: a arte de sublinhar. Sublinha-se para se construir um resumo dentro do livro de forma que se lêssemos em outra oportunidade só o que se sublinhou, não precisaríamos ler o restante do livro. Além de juntar à leitura um ato motor – o que já ajuda na retenção da informação segundo os pedagogos – cria-se, assim, em cima do próprio texto um resumo a ser consultado antes de provas sem precisar quase se escrever nada para isso. Seria sempre interessante escrever nas margens, se apropriado, informações importantes não presentes no texto, porém dadas em aula ou mesmo a resposta a alguma dúvida levantada anteriormente.

Para se preparar para uma prova, receita imbatível, a meu ver, é a confrontação do caderno com anotações feitas em aula (discutiremos isto em outro capítulo) e o que se sublinhou no livro. Desta forma temos aquilo que o professor frisou em aula (geralmente a melhor receita para adivinhar as questões da prova) e o que realmente se necessita saber da matéria (presente em um livro tido como padrão para a matéria em questão). É óbvio que para que sublinhar seja uma técnica eficaz, o livro escolhido deve ser dos melhores do assunto. Escolhê-lo é, portanto, parte desta tarefa (vide abaixo).

Exemplificamos esta técnica na figura 1. Obviamente esta técnica poderá ser também utilizada para textos não impressos colados em um processador de textos como o Microsoft Word, Star Word, etc.

Figura 1: exemplo de um texto com a estratégia de ressaltar (no caso sublinhado e em azul), mas sublinhar as porções mais importantes criando “um resumo dentro do texto”. Após alguns dias, o aluno se atendo apenas as porções sublinhadas poderá ler o texto de forma muito mais rápida, se recordando dos conceitos fundamentais apreendidos por ocasião da primeira leitura mais cuidadosa do texto.

Talvez esta técnica ofenda aos que enxergam o livro como um objeto sagrado de adoração a ser colocado para a posteridade após seu uso na biblioteca. Eu lhes adianto que tal raciocínio que é questionável em relação aos livros perenes da humanidade – os clássicos – é irrelevante no caso de livros médicos que se desatualizam de forma veloz. Riscar e sublinhar são, pois, atitudes sábias daqueles que vislumbram no livro médico um instrumento de aprendizado efêmero, mas potente se devidamente, intensamente e frequentemente usado.

Há algumas técnicas para acelerar a leitura textos científicos. Algumas idéias que podem ser úteis: 1) dar uma olhada geral no texto procurando o título do capítulo, subtítulos, figuras, esquemas, tabelas e suas legendas procurando esquematizar o texto e reconhecer a forma pela qual o autor expõe o conteúdo e qual é este conteúdo; 2)perguntar: o que devo apreender deste texto ou deste fragmento do capítulo?; 3) selecionar o que deve ser lido. Geralmente, na forma científica geral de se escrever, o começo de cada parágrafo sumariza o que nele será tratado e o último parágrafo resume as conclusões principais do texto. Portanto, a leitura seletiva destas porções do texto é uma dica efetiva para uma leitura mais rápida do texto; 4) fechar o livro e tentar repetir as idéias principais e quais as causas e conseqüências de cada uma destas idéias e como estes conceitos de encadeiam entre si. Esta etapa procura uma “reconstrução” mental resumida do conteúdo do texto lido; 5) Revisar o conteúdo apreendido para aumentar a fixação. Eu gosto, como descrevi acima, de sublinhar o que achei importante e reler apenas aquilo que sublinhei para revisar o conteúdo. Estas técnicas de leitura podem ser encontradas com mais detalhes nas seguintes páginas da Internet http://www.csbsju.edu/academicadvising/help/sq3r.htm e http://www.coun.uvic.ca/learn/read.html .

Em relação à escolha de livros para estudar, eu me basearia sempre nas indicações do professor. Não abandonaria, entretanto, minha própria iniciativa no sentido de também participar ativamente desta escolha, já que quem vai ficar horas lendo sou eu mesmo. O livro deve nos seduzir, por assim dizer. Ao foliarmos ou consultarmos um catálogo virtual na Internet o livro nos deve chamar a atenção e como que nos induzir a ter a vontade de possuí-lo para estudo. Usar um livro agradável para ser lido e estudado já é um passo positivo para dominar a expectativa de tédio de se preparar para enfrentar uma prova de uma matéria que não nos cativou de início.

Além deste critério subjetivo, outros parâmetros que uso são qualidade gráfica do livro, incluindo a clareza de suas figuras e esquemas, extensão dos capítulos (capítulos muito extensos não são geralmente legíveis e estes livros geralmente servem somente para consulta eventual), preço e indicação de outros colegas. Sugiro que se compre sempre a última edição, se possível, do livro em sua língua original (geralmente em inglês) para evitar erros de tradução que não são infreqüentes. Uma ajuda para escolher o melhor livro pode ainda advir da consulta de uma página virtual (www.amazon.com) onde os livros médicos por matéria podem ser vistos de acordo com uma ordem pré-determinada por número de vendas, comentários favoráveis de leitores e preço (Figura 2). Há páginas na rede que listam inclusive livros inteiros disponíveis gratuitamente. Dois exemplos são a página “freebooks4doctors!”( http://www.freebooks4doctors.com/) e a National Library of Medicine (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=Books&itool=toolbar).

Figura 2: página virtual da livraria Amazon (www.amazon.com) onde os livros de anatomia estão listados por ordem de mais vendidos.

Um importante aspecto que deve ser frisado é a importância do estudo em Inglês. A meu ver, a língua internacional da profissão médica é indubitavelmente o Inglês. Se qualquer um de nós quiser se atualizar no futuro, freqüentar congressos, escrever ou ler trabalhos em revistas internacionais não teremos outra escolha que não dominar este idioma. Por que então não começar logo cedo na faculdade? Quais as vantagens: uma escolha muito maior de livros, poder desde cedo já ir apreendendo o vocabulário médico em inglês, poder utilizar os inúmeros recursos da Internet disponíveis para alunos de medicina e médicos em inglês e, finalmente, poupar esforços futuros que podem desencorajar o aluno a continuar seus estudos no nível de pós-graduação pelo não domínio desta ferramenta essencial que é o inglês.

Como aprender o inglês para estas finalidades? Primeiro passo, reconhecer que não precisamos necessariamente falar inglês. Precisamos fundamentalmente ler em inglês o que já é muito mais fácil. Sugiro pegar um livro em inglês de uma dada matéria e estudá-lo com um dicionário do lado anotando as palavras desconhecidas na margem. Após um pouco de esforço o aluno estará plenamente recompensado ao perceber que já lê com facilidade neste idioma e que tem ao seu dispor agora uma infinidade de recursos para estudo e atualização.

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