VOCAÇÃO
“Podemos afirmar absolutamente que nada de grandioso no mundo pode ser conseguido sem paixão” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Filosofia da História).
“A felicidade está na dedicação a alguma vocação que satisfaça a alma; estamos aqui para adicionar o que podemos para a vida e não dela tirar tudo o que pudermos”
(William Osler. Aequanimityas; Doctor and Nurse)
Muito já se falou acerca da vocação para a escolha de uma profissão, especialmente a medicina. Eu costumo dizer que vocação para mim é a vontade com a qual um dia, se acordados de madrugada para atender a um chamado, iremos assistir a quem nos chamou. Após alguns anos, superado o deslumbramento inicial que temos com nossas próprias habilidades para diminuir a dor e o sofrimento, atender a um chamado de madrugada nos revelará o que, a meu ver, se chama de vocação. Neste momento perceberemos claramente que não escolheríamos nenhum outro caminho na vida e que atender a este chamado é a missão para que fomos destinados e que justifica nossa existência. Curiosamente a palavra vocação vem do latim “vocare” que significa chamar. Assim, a meu ver, é no chamado a assistir a alguém como médico é que vivenciamos a vocação para sê-lo.
Percebamos, entretanto, que o exemplo que acima descrevi para ilustrar o que penso ser a vocação para a medicina só poderá ocorrer após já sermos médicos. Então, como saber antes de iniciar a faculdade se temos vocação para a profissão?
Não sei responder a esta pergunta. Costumo, diante desta dúvida, responder que a Medicina é talvez a mais ampla das profissões na qual atender a pacientes – seu estereótipo – é apenas uma de suas facetas.
Um médico com habilidades matemáticas poderá, por exemplo, se converter em um cientista e participar do projeto de um coração artificial ou em um administrador hospitalar. Já um médico com dotes artísticos poderá escolher a cirurgia plástica e outro com habilidades manuais a microcirurgia.
Um outro colega com dificuldades para se relacionar com pacientes, por exemplo, poderá escolher a anatomia patológica ou a radiologia. Percebemos desta forma que qualquer acervo de habilidades ou
tipos de limitações podem, em princípio, serem acomodadas dentro desta enorme área que hoje é abarcada pela medicina.
Muitas vezes, entretanto, ao nos iniciarmos no contato com pacientes podemos observar o entusiasmo de alguns alunos aflorar. Alguns vibram quando entram em contato com pacientes ou com determinados procedimentos (cirúrgicos, radiológicos, etc). Escolheram a profissão correta, pensamos.
Há outros, todavia, que passam de estágio em estágio sem que o entusiasmo apareça. Alguns acharão que seu lugar não é nesta profissão e desistirão da medicina, enquanto outros encontrarão outras áreas para atuar, servindo-se de seus conhecimentos médicos obtidos durante o curso. Serão administradores hospitalares, cientistas básicos, auditores, políticos, etc. Acredito que os médicos que não sentem que não se encontram em alguma das áreas da medicina assistencial, não precisam se desesperar ou sentirem-se culpados por não terem se entusiasmado assim como alguns de seus colegas. A assistência a pacientes é apenas uma das facetas da medicina, ainda que seja a o mais típico dos estereótipos associados à carreira médica. Precisamos de administradores, cientistas e de todos os demais profissionais que, dotados de conhecimentos médicos, constituirão, juntamente com médicos assistencialistas, times multidisciplinares para cuidar melhor e de forma mais completa de nossos pacientes.
Portanto, se existe a vontade de escolher a profissão médica, eu não procuraria me adequar a um perfil pré-estabelecido e supostamente necessário para a profissão, eu apenas entraria e cursaria a faculdade de medicina e escolheria posteriormente uma especialização que melhor se adequasse ao meu perfil. A especialização que escolhermos poderá ou não envolver o cuidado de pacientes e o chamado (vocação) só virá mesmo, a meu ver, depois desta escolha.